Voltar para Publicações


TafelliRitz

A possível fusão entre Azul e Gol promete remodelar o mercado de aviação brasileiro. O Memorando de Entendimento (MoU) assinado entre a Azul e a holding Abra Group – controladora da Gol e da Avianca – marca um passo importante na negociação de uma das maiores operações do setor.

Ainda que o acordo não seja vinculante, a complexidade do negócio envolve diversas questões regulatórias, concorrenciais, societárias e financeiras. Além disso, a concretização da fusão depende da saída da Gol de seu processo de recuperação judicial nos EUA (Chapter 11).

Diante desse cenário, quais são os principais desafios jurídicos, empresariais e regulatórios dessa operação?

1. Estrutura jurídica da fusão: combinação ou aquisição?
O MoU assinado entre a Azul Holding e a Abra Group prevê uma combinação de negócios, o que significa que as empresas manterão marcas e certificados operacionais separados, operando sob uma única entidade controladora.
Os principais pontos do acordo incluem:
• Reestruturação acionária: Azul ou Gol se tornarão subsidiárias uma da outra, criando uma Companhia Combinada listada na B3 e na Bolsa de Nova York (NYSE).
• Governança corporativa: o controle será compartilhado entre Azul e Abra Group, com um conselho de administração paritário e gestão integrada.
• Limitação de alienação de ações: a Abra Group poderá vender até 25% das suas ações, desde que não para concorrentes. Além disso, há uma cláusula “poison pill”, que obriga a realização de uma oferta pública para aquisição total caso um terceiro adquira 15% ou mais das ações da empresa combinada.

Esses termos evidenciam uma fusão operacional, mas sem a completa unificação das companhias sob uma única marca – estratégia adotada por grandes players globais, como Lufthansa e IAG (British Airways + Iberia).

2. Regulamentação e desafios concorrenciais
Um dos maiores entraves para a concretização da fusão será a aprovação dos órgãos reguladores, especialmente:
• Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)
• Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC)
• Autoridades concorrenciais internacionais

A preocupação central do CADE será o risco de concentração de mercado. Atualmente, Azul e Gol dominam cerca de 60% do mercado de voos domésticos, e, juntas, com a Latam, representam quase 100% do setor no Brasil.
Para obter aprovação, as empresas precisarão apresentar medidas compensatórias, como:
Desinvestimentos: venda de slots (horários de pousos e decolagens), principalmente em aeroportos congestionados como Congonhas e Santos Dumont.
Acordos de codeshare: parcerias com empresas menores para garantir competitividade em determinadas rotas.
Compromissos de manutenção de serviços: garantia de que a fusão não levará ao cancelamento de rotas regionais.
A aprovação regulatória pode levar meses e até ser judicializada caso concorrentes contestem a operação.

3. Impactos para acionistas minoritários: desafios societários e de governança

A fusão entre Azul e Gol não afeta apenas o mercado e os consumidores, mas também os acionistas minoritários das empresas envolvidas. Com a criação de uma Companhia Combinada, há implicações importantes para investidores que não detêm o controle da operação.

Reestruturação acionária e diluição dos minoritários

O MoU prevê que uma das empresas será incorporada à outra, criando um novo grupo societário. O problema é que a Gol está em recuperação judicial nos EUA, e muitos credores terão suas dívidas convertidas em ações antes da fusão. Isso pode resultar em uma diluição da participação dos acionistas minoritários, que verão sua fatia reduzida com a entrada desses novos acionistas.

Direitos dos acionistas minoritários na fusão

A legislação brasileira oferece algumas proteções, mas há incertezas sobre sua aplicação na fusão, até pela própria previsão constante no MoU:
Direito de Tag Along: se a fusão for interpretada como uma venda de controle, os minoritários podem exigir que sua participação seja adquirida nas mesmas condições dos controladores. Porém, a estrutura da operação pode evitar essa obrigação.
Direito de Recesso: se a fusão resultar em mudanças estatutárias significativas, os acionistas minoritários poderão vender suas ações à empresa pelo valor patrimonial. No entanto, esse valor pode ser inferior ao de mercado, tornando a opção desvantajosa.
Governança e Conselho de Administração: o MoU prevê um conselho paritário, com três membros indicados pela Azul, três pela Abra e três independentes. Essa estrutura pode reduzir o poder de decisão dos minoritários, que terão pouca influência nas decisões estratégicas.
Os investidores devem acompanhar de perto a estrutura final da fusão para garantir que seus direitos sejam protegidos.

.

4. Impactos da recuperação judicial da Gol
A Gol encontra-se em recuperação judicial nos EUA (Chapter 11), com passivos elevados e necessidade de reestruturação financeira. O MoU estabelece que a fusão só poderá avançar após a conclusão desse processo, o que traz desafios como:
• Reestruturação de dívidas: Credores precisarão aprovar os termos da fusão, garantindo que a operação seja sustentável.
• Conversão de passivos em participação acionária: Parte da dívida da Gol pode ser convertida em ações, alterando a estrutura de controle.
• Compatibilização de contratos: Contratos de leasing de aeronaves e fornecedores precisarão ser renegociados para evitar desequilíbrios financeiros na nova empresa.
A fusão pode ser a saída estratégica para a Gol, garantindo sua continuidade operacional sem comprometer o equilíbrio financeiro da Azul.

Conclusão: a fusão é viável?

A combinação entre Azul e Gol representa um movimento estratégico de consolidação, trazendo sinergias operacionais e fortalecimento da aviação brasileira. No entanto, ao que parece, a viabilidade da operação dependerá de:
1. Aprovação regulatória pelo CADE e ANAC, com medidas para evitar monopólio.
2. Saída da Gol do processo de recuperação judicial, garantindo equilíbrio financeiro.
3. Alinhamento entre os acionistas, evitando disputas societárias no futuro.

Se bem estruturada, a fusão pode transformar a Azul-Gol em uma gigante da aviação latino-americana, aumentando a competitividade global do setor. No entanto, os desafios regulatórios e financeiros são expressivos e precisarão ser enfrentados com estratégia e transparência.

O cenário exige assessoria jurídica especializada, tanto para empresas do setor quanto para investidores e acionistas. A fusão entre Azul e Gol pode criar uma companhia aérea mais forte e competitiva, mas traz riscos significativos para acionistas minoritários. A diluição da participação, a reestruturação da Gol no Chapter 11 e as mudanças na governança podem impactar os direitos dos investidores.

Para se proteger, os minoritários devem acompanhar de perto as aprovações regulatórias e societárias.



Para mais informações sobre este tema
fale com nossa equipe Tafelli Ritz Advogados.

Receba as informações jurídicas que podem impactar o seu negócio.

Nós respeitamos a sua privacidade e protegemos seus dados pessoais de acordo com a nossa Política de Privacidade.