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A possibilidade de retirada imotivada de sócio em sociedades limitadas com prazo indeterminado é um tema controverso no direito societário brasileiro. O Código Civil, a Instrução Normativa (IN) do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) e o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) abordam a questão sob perspectivas distintas, gerando um cenário de incerteza para empresários e advogados.

Enquanto o Código Civil (art. 1.029) assegura que um sócio pode se retirar mediante notificação com 60 dias de antecedência, a IN 81/20 do DREI (alterada pela IN 88/22) permite que o contrato social contenha cláusula proibindo esta retirada imotivada. Por outro lado, o STJ, no julgamento do REsp 1.839.078/SP, reafirmou que esse direito é potestativo, vinculado à liberdade constitucional de não permanecer associado.

Afinal, como essas normas e interpretações se harmonizam na prática? O que deve ser feito quando um sócio deseja se retirar, mas seu contrato social contém cláusula que o impede? Vamos analisar esses pontos.

1. O que diz o Código Civil?

O art. 1.029 do Código Civil determina que qualquer sócio pode se retirar da sociedade nos seguintes termos:

"Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa."

Isso significa que, em sociedades de prazo indeterminado, um sócio pode sair sem necessidade de justificativa. Esse direito foi amplamente aceito pela doutrina e pela jurisprudência antes das recentes mudanças normativas.

Nas sociedades com prazo determinado, a retirada só pode ocorrer mediante justa causa comprovada judicialmente.

2. O que prevê a IN 81/20 do DREI?

A Instrução Normativa 81/20 do DREI, alterada pela IN 88/22, trouxe um novo elemento à discussão ao permitir que o contrato social proíba expressamente a retirada imotivada de sócios. Segundo a norma:

“É lícita a estipulação em contrato social que os sócios não poderão exercer o direito de retirada imotivada.”

Isso gera um problema prático: se o contrato social proíbe a saída do sócio sem justificativa por determinado período (geralmente estipulado por alguma razão estratégica), a Junta Comercial poderá recusar o arquivamento do ato de retirada, alegando que há uma cláusula contratual vedando tal direito.

Na prática, isso obriga o sócio a ajuizar uma ação judicial para questionar a validade da cláusula e efetivar sua retirada, o que contradiz a simplicidade prevista no Código Civil.

3. O posicionamento do STJ: o direito de retirada é constitucional

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) abordou essa questão no REsp 1.839.078/SP, decidindo que a retirada imotivada de sócios em sociedades limitadas é um direito fundamental e potestativo, vinculado ao princípio constitucional da liberdade de associação (art. 5º, XX, da Constituição Federal).

O STJ afirmou que nenhuma norma infraconstitucional pode restringir esse direito, incluindo cláusulas contratuais ou normativas administrativas como a do DREI.

Além disso, destacou que a ausência de previsão na Lei das Sociedades Anônimas (LSA) sobre retirada imotivada não implica sua proibição nas sociedades limitadas, pois a natureza contratual dessas empresas permite a saída do sócio por vontade própria.

Portanto, mesmo que o contrato social contenha cláusula proibindo a retirada imotivada, o sócio pode questioná-la judicialmente e obter sua nulidade com base no entendimento do STJ.

4. O impasse prático: como o sócio pode se retirar?

A situação cria um conflito entre a norma administrativa (IN DREI) e o entendimento judicial (STJ). Na prática, um sócio que deseja se retirar da sociedade e exista esta previsão proibitiva no Contrato Social pode enfrentar a seguinte dificuldade:
1. Se o contrato social não proíbe a retirada imotivada, o sócio pode enviar uma notificação extrajudicial aos demais sócios e registrar sua saída na Junta Comercial, nos termos do art. 1.029 do Código Civil.
2. Se o contrato social contém cláusula proibitiva, a Junta Comercial pode recusar o arquivamento do ato de retirada.
3. Nesse caso, o sócio precisará ajuizar uma ação judicial para discutir a validade da cláusula e garantir seu direito de saída.

Isso significa que, mesmo vencendo na Justiça, o sócio precisará enfrentar um processo demorado e custoso para exercer um direito que, em tese, deveria ser imediato.

Claro que a observação que se faz é que haverá a necessidade de decisão judicial para que se decida quais os efeitos e a “data de corte” da retirada do sócio, ou seja, se a decisão deverá retroagir à data da notificação extrajudicial. Isso significa que, mesmo que o processo judicial leve anos para ser finalizado, a saída do sócio possivelmente será reconhecida desde o momento em que ele formalizou sua intenção de se retirar.

5. Como mitigar esse problema?

Diante desse cenário, empresários e advogados devem adotar estratégias para evitar futuros conflitos societários. Algumas medidas preventivas incluem:
Avaliar a necessidade de restrições à retirada – em sociedades que demandam maior previsibilidade, pode ser interessante prever condições ou prazos específicos para a saída do sócio, ao invés de uma proibição absoluta. Isso pode proteger a empresa contra descapitalizações abruptas.
Evitar cláusulas proibitivas genéricas – a vedação total à retirada pode gerar litígios desnecessários e ser questionada judicialmente. Em vez disso, é recomendável estruturar mecanismos de saída gradativa, como prazos mínimos de permanência ou regras de indenização para compensar eventuais impactos na empresa.
Prever regras claras para saída de sócios – um contrato bem elaborado pode incluir prazos para pagamento de haveres, critérios objetivos de avaliação de quotas e indenizações proporcionais ao impacto da retirada, reduzindo riscos para a sociedade.
Estabelecer um acordo de sócios – além do contrato social, um acordo de sócios pode definir cenários específicos em que a retirada será permitida ou condicionada, garantindo segurança para todas as partes.

Conclusão

O direito de retirada imotivada do sócio em sociedades limitadas continua sendo um tema polêmico e desafiador. Enquanto o Código Civil e o STJ asseguram esse direito, a IN 81/20 do DREI criou um obstáculo administrativo que pode dificultar sua aplicação prática.

Para sócios que desejam sair de uma sociedade, o caminho pode envolver uma batalha judicial para garantir a prevalência do entendimento do STJ. Diante desse cenário, a melhor estratégia é a prevenção, por meio de um contrato social bem estruturado e juridicamente seguro.

Quer evitar problemas societários no futuro? A equipe do Tafelli Ritz Advogados está à disposição para tratar deste assunto e discutir estes pontos relevantes.



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