Os desafios da integração empresarial e os mecanismos jurídicos que poderiam ter evitado o impasse societário que abalou o maior grupo de moda do Brasil.
Fusões e aquisições (M&As) são frequentemente vistas como um atalho para crescimento e consolidação no mercado. Mas quando mal planejadas, podem se tornar um campo de batalha societário, destruindo valor e comprometendo o futuro das empresas envolvidas.
O caso da Azzas 2154 – fusão entre Arezzo&Co e Grupo Soma – expõe possíveis erros estratégicos que levaram a uma disputa entre seus principais acionistas, resultando na desvalorização bilionária da companhia, conforme fartamente noticiado recentemente. O que deveria ser a criação de um gigante da moda se transformou em um possível impasse societário que ameaça a continuidade da empresa como planejado.
Quais foram os principais possíveis erros? Como empresários podem evitar esse tipo de situação? E quais soluções jurídicas e estratégicas poderiam ter sido adotadas para minimizar os riscos dessa fusão?
Neste artigo, analisamos esses pontos e trazemos alternativas para fusões mais seguras e eficientes.
O que pode ter dado de errado na fusão entre Arezzo&Co e Grupo Soma?
Desde o início, analistas apontavam que a fusão entre Arezzo&Co e Grupo Soma não seria simples. O modelo de negócios, os estilos de gestão e até o público-alvo das marcas tinham diferenças significativas. Mesmo assim, a operação foi anunciada como uma grande sinergia para o mercado. Menos de um ano depois, os próprios acionistas estavam tentando se separar. O conflito entre os sócios se tornou público e afetou diretamente o valor da empresa na Bolsa. A principal causa? Ao que transparece e pelo que foi noticiado, falta de alinhamento estratégico e governança mal estruturada.
Desde o início, a fusão entre Arezzo&Co e Grupo Soma apresentava desafios que foram subestimados. Certamente, ambas as empresas contaram com assessoria jurídica e financeira de alto nível, analisaram cenários e projetaram sinergias promissoras. No entanto, por mais criterioso que seja o planejamento, é impossível prever todas as variáveis que surgem na integração de negócios desse porte.
No entanto, algumas lições podem ser identificadas.
Um dos principais erros foi a ausência de um período de testes antes da integração definitiva. As empresas se juntaram sem uma experiência prévia de gestão compartilhada, o que aumentou significativamente o risco de choque cultural.
A falta de governança bem estruturada também agravou o problema: ambos os executivos queriam autonomia, mas não havia regras claras sobre quem tomaria as decisões finais, o que resultou em constantes disputas internas.
Além disso, a fusão gerou sobreposição de negócios e marcas concorrentes, criando redundâncias e ineficiências operacionais. Em vez de capturar os ganhos esperados com a união das empresas, os custos aumentaram, e a integração das operações se tornou um desafio maior do que o previsto.
Para piorar, não foi estabelecido um plano estruturado para resolver impasses entre os sócios. Com a ausência de mecanismos contratuais eficientes para lidar com divergências estratégicas, a disputa entre os acionistas rapidamente se tornou pública e começou a impactar o valor da empresa no mercado.
Outro erro crítico foi a falta de uma estratégia bem definida para a saída de sócios.
Quando as desavenças se tornaram irreconciliáveis, não havia um mecanismo claro para que um dos acionistas vendesse sua participação sem travar a negociação ou impactar diretamente o valor da companhia. Isso fez com que o conflito se arrastasse, gerando incertezas e desvalorização no mercado.
Diante das notícias e dos impactos evidentes da situação, empresários que planejam fusões devem aprender com esses erros e adotar estratégias para minimizar riscos. Algumas alternativas que poderiam ter sido adotadas (aqui ponderadas hipoteticamente) no caso Azzas 2154 incluem:
A) Testes antes de “casar”: joint venture como passo intermediário.
Uma alternativa que poderia ter reduzido os riscos dessa fusão seria a adoção de um modelo de joint venture antes da consolidação definitiva.
Em vez de unir completamente as operações de imediato, as empresas poderiam ter criado um projeto conjunto, operando de forma independente, mas sob uma estrutura compartilhada. Esse formato teria permitido um teste real da compatibilidade entre os modelos de gestão, das sinergias previstas e da governança corporativa na prática.
A joint venture é uma estratégia amplamente utilizada em operações empresariais, especialmente quando há incertezas sobre a integração total entre as partes. Nesse modelo, duas empresas firmam uma parceria para desenvolver um negócio ou operação específica, compartilhando recursos, expertise e riscos. Diferente da fusão, que envolve a unificação completa das estruturas societárias, a joint venture mantém a independência jurídica das empresas, permitindo que cada uma avalie os resultados antes de um compromisso definitivo.
Se essa abordagem tivesse sido adotada no caso Azzas 2154, os acionistas poderiam ter identificado, com antecedência, eventuais desalinhamentos estratégicos e estruturais. Poderiam ter avaliado se suas visões de negócio eram de fato compatíveis, entendido melhor como funcionaria a tomada de decisões e analisado se os ganhos projetados realmente se materializariam. Além disso, teriam mais clareza sobre os impactos operacionais da combinação de marcas, evitando a sobreposição de negócios e prevenindo conflitos de poder.
Outro benefício da joint venture é a possibilidade de estabelecer mecanismos contratuais mais flexíveis para a eventual separação, caso a parceria não funcione como esperado. Diferente de uma fusão, que exige um desmembramento complexo e pode resultar em disputas societárias, uma joint venture bem estruturada pode conter cláusulas que permitam o encerramento da parceria de forma planejada e sem grandes impactos financeiros ou reputacionais. Caso os desafios de integração se mostrassem maiores do que o esperado, a separação seria muito mais simples e menos traumática do que um "divórcio" societário litigioso, como o que se desenhou no caso Azzas 2154. Em contrapartida, se a parceria se mostrasse bem-sucedida, a fusão poderia ocorrer de forma muito mais estruturada, com base em resultados concretos e não apenas em projeções teóricas.
B) Estruturar um contrato de fusão com cláusulas de saída bem definidas.
Se a fusão fosse inevitável, nos parece adequado e fundamental previsões contratuais quanto a adoção de mecanismos claros para resolver conflitos e permitir a saída de um dos sócios sem gerar instabilidade.
Fusões entre grandes grupos sempre carregam riscos, e um dos principais desafios é justamente o que fazer quando os interesses dos acionistas começam a divergir. Sem um plano bem estruturado para esse tipo de cenário, as disputas tendem a escalar, tornando-se públicas e afetando diretamente a percepção do mercado – como aconteceu no caso Azzas 2154.
Para evitar esse tipo de crise, um contrato de fusão deve estabelecer regras detalhadas sobre liquidez das participações societárias e resolução de conflitos. Cláusulas como Tag Along e Drag Along garantem que, caso um dos sócios decida sair, o outro seja obrigado a seguir condições predefinidas, evitando disputas sobre o valor da transação.
Já uma cláusula de liquidez bem estruturada antecipa critérios para avaliação da empresa em caso de saída de um sócio, reduzindo incertezas e impedindo negociações prolongadas sobre valores.
Além dessas medidas, existem outros mecanismos que poderiam ter minimizado os riscos dessa fusão. Um deles é a cláusula de compra e venda cruzada (Shotgun Clause), que permite que, em caso de impasse, um sócio faça uma oferta para comprar a participação do outro. O destinatário da proposta pode aceitar a venda ou, por outro lado, comprar a participação do ofertante nas mesmas condições. Esse modelo força uma decisão rápida e evita longos períodos de instabilidade.
Outro instrumento importante seria uma cláusula de "deadlock" (empate societário), que definiria um procedimento específico para resolver impasses estratégicos. Isso poderia incluir a mediação obrigatória por um conselho independente ou até um leilão interno entre os sócios para decidir quem permanece no controle.
A fusão também poderia ter sido estruturada com um mecanismo de ajuste de valor (Earn-Out), no qual parte do pagamento dependeria do desempenho futuro da empresa. Se os resultados esperados não fossem atingidos, os termos da fusão poderiam ser renegociados, reduzindo riscos financeiros e evitando arrependimentos pós-integração.
Além disso, contratos bem elaborados costumam incluir cláusulas de vesting para executivos-chave, garantindo que líderes estratégicos permaneçam comprometidos com a empresa por um período determinado antes de terem direito total a suas participações e benefícios. Esse mecanismo teria sido especialmente útil no caso Azzas 2154, considerando as saídas abruptas de executivos importantes durante a disputa.
Por fim, um contrato robusto também deveria conter cláusulas de não concorrência, impedindo que um dos sócios que deixasse a empresa atuasse diretamente em um concorrente ou criasse um novo negócio no mesmo setor. Em um mercado competitivo como o de moda e varejo, essa proteção evitaria que um dos lados levasse conhecimento estratégico para fortalecer um concorrente direto.
Admitindo-se que estas previsões não existem, é importante ter conhecimento que se estes mecanismos tivessem sido aplicados à fusão da Azzas 2154, é provável que o conflito entre os acionistas tivesse sido resolvido de maneira mais estruturada, sem a exposição negativa e os impactos financeiros que atingiram a empresa.
C) Estruturar governança e poder de decisão de forma mais clara.
Ao que parece, outro ponto crítico que contribuiu para o impasse societário foi a falta de uma estrutura clara de governança e de delimitação de poderes dentro da empresa.
Desde o início da fusão, não ficou bem definido como as decisões estratégicas seriam tomadas, o que gerou disputas internas e dificultou a condução dos negócios. Em qualquer integração desse porte, é essencial estabelecer regras precisas sobre quem tem autoridade para tomar decisões e como eventuais impasses serão resolvidos.
Uma das soluções teria sido a definição, desde o início, de um CEO único, responsável por conduzir a estratégia e garantir a unidade de comando da companhia. Essa escolha evitaria disputas de autoridade e ajudaria a manter a coesão na gestão. Além disso, a criação de um comitê independente de governança poderia ter funcionado como um mecanismo neutro para mediar conflitos e equilibrar os interesses dos acionistas, reduzindo o risco de paralisações por divergências entre os sócios.
Outra alternativa seria a diferenciação de pesos nas decisões, distribuindo as responsabilidades de forma equilibrada. Determinadas áreas estratégicas poderiam ficar sob a gestão direta de um dos sócios, enquanto outras seriam de competência exclusiva do outro. Esse modelo impediria que todas as decisões dependessem de um consenso absoluto, algo que, na prática, se mostrou inviável na Azzas 2154.
Se essas diretrizes tivessem sido aplicadas, a empresa provavelmente teria funcionado de forma mais eficiente, sem depender do alinhamento total entre os acionistas e sem as disputas de poder que culminaram na crise atual.
O caso Azzas 2154 deixa claro que fusões não podem ser baseadas apenas em projeções otimistas. O sucesso depende de uma estratégia bem planejada, mecanismos jurídicos sólidos e um modelo de governança bem estruturado.
Em resumo, os principais aprendizados para empresários são:
• Testes empresariais e de sinergia antes da fusão: joint ventures podem reduzir riscos antes de uma fusão definitiva.
• Previna conflitos no contrato – mecanismos de saída e resolução de impasses devem estar bem definidos.
• Estruture a governança – a falta de clareza no poder de decisão pode paralisar uma empresa.
• Sinergia não pode ser presumida – fusões devem gerar valor real, e não apenas parecer um bom negócio no papel.
Empresários que consideram fusões e aquisições precisam ir além do entusiasmo inicial e adotar um olhar estratégico e preventivo. O caso Azzas 2154 demonstra que, mesmo operações promissoras terão sempre o potencial para se transformar em impasses complexos quando a governança, os contratos e a gestão da integração não são planejados com rigor.
O custo de uma disputa societária não é apenas financeiro — ele pode comprometer a reputação da empresa, desvalorizar ativos e até inviabilizar o crescimento do negócio.
Evitar esses erros exige não apenas visão empresarial, mas também suporte jurídico especializado. Cada operação de Fusão ou Aquisição traz desafios únicos, e contar com uma estrutura sólida de governança e mecanismos bem definidos de resolução de conflitos é essencial para garantir uma transição segura e eficiente.
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