O governo anunciou mudanças na legislação do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), prometendo justiça tributária e alívio para os trabalhadores.
O Projeto de Lei propõe a isenção para rendas de até R$ 5.000 mensais e uma redução progressiva do IR para quem ganha até R$ 7.000. No entanto, a conta será paga pelos chamados "super-ricos", aqueles com rendimentos acima de R$ 600 mil anuais, que estarão sujeitos a um imposto mínimo.
O governo não perdeu tempo e já divulgou material oficial para promover a proposta, com forte apelo populista. O documento apresenta gráficos e comparações que sugerem uma "justiça tributária" ao isentar trabalhadores como motoristas, professores e enfermeiros, enquanto enfatiza que a alta renda paga pouco imposto.
As imagens escolhidas mostram profissionais da classe média que serão beneficiados, reforçando a narrativa de que o governo estaria corrigindo distorções. No entanto, o material omite pontos cruciais, como o impacto econômico da tributação mínima, a possível fuga de capitais e o fato de que o governo arrecadará mais do que concederá em isenção.
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A estratégia parece clara: vender uma proposta como socialmente justa enquanto, na prática, amplia ainda mais o peso do Estado sobre o setor produtivo.
E o problema é exatamente esse.
Essa proposta claramente não visa apenas equilibrar a arrecadação — o governo pretende arrecadar mais do que abrirá mão com a isenção, o que reforça, novamente, o caráter nitidamente arrecadatório da medida.
O Projeto de Lei enviado ao Congresso estabelece alguns pontos:
a) Isenção total para quem recebe até R$ 5.000 mensais, e redução progressiva do IR para rendas entre R$ 5.000 e R$ 7.000.
b) Tributação mínima progressiva para rendas acima de R$ 600 mil anuais, chegando a 10% para quem ganha mais de R$ 1,2 milhão.
c) Retenção de 10% na fonte sobre dividendos distribuídos acima de R$ 50 mil por mês, afetando empresários e investidores.
d) Tributação de 10% sobre dividendos remetidos ao exterior, o que pode tornar o Brasil menos atrativo para investimentos estrangeiros.
O governo defende que essas medidas equilibram o sistema tributário. Mas, ao analisarmos o texto do PL, fica claro que há fortes incentivos para arrecadar mais, sem qualquer previsão de corte de gastos ou aumento da eficiência estatal, o que já virou o fio condutor estatal.
O governo argumenta que apenas os "super-ricos" serão afetados. No entanto, o texto do PL revela um detalhe importante: rendas isentas também serão consideradas para o cálculo da tributação mínima. Isso inclui:
• Aplicações financeiras isentas de imposto, como LCI, LCA, CRI e CRA.
• Rendimentos tributados exclusivamente na fonte.
• Qualquer outro rendimento que, somado, ultrapasse R$ 600 mil ao ano.
Isso significa que muitas pessoas que, na prática, não têm renda líquida de "super-ricos" podem acabar sendo enquadradas nesse novo imposto mínimo.
Além disso, pela proposta, a tributação será progressiva:
• 2,5% para quem ganha R$ 600 mil/ano;
• 10% para quem recebe acima de R$ 1,2 milhão;
• A cada R$ 60 mil extras de renda, a alíquota sobe linearmente.
Para quem empreende e investe, isso gera um problema adicional: qual será o impacto na distribuição de lucros e no planejamento financeiro das empresas?
Impactos econômicos: mais dinheiro para o governo, menos previsibilidade para o mercado.
O governo vende a ideia de que a isenção do IRPF estimulará o consumo e o crescimento econômico. No entanto, está tentando cumprir promessa de campanha e alguns especialistas já alertam para alguns riscos iniciais:
• Inflação: o aumento da renda disponível pode elevar os preços, anulando parte do benefício. O impacto projetado é de 0,8 pontos percentuais na inflação até 2027.
• Arrecadação incerta: há dúvidas se a tributação sobre altas rendas gerará a receita esperada, já que esses contribuintes têm maior flexibilidade para reestruturar seus investimentos e rendimentos.
• Fuga de capitais: a taxação de dividendos para beneficiários no exterior pode reduzir a atratividade do Brasil para investimentos estrangeiros.
• Reinvestimento em empresas em vez de distribuição de lucros, reduzindo a arrecadação real sobre dividendos.
Um dos pontos mais preocupantes da proposta é o impacto que ela terá no fluxo de caixa do governo justamente em 2026, ano eleitoral. O texto do PL revela que, embora a arrecadação extra seja justificada como uma compensação para a ampliação da faixa de isenção do IRPF, os valores projetados pelo governo indicam um superávit além da compensação direta.
A matemática da proposta mostra que o governo abrirá mão de R$ 25,84 bilhões em 2026 e R$ 27,72 bilhões em 2027 com a isenção do IRPF. No entanto, espera arrecadar R$ 34,14 bilhões em 2026 e R$ 39,18 bilhões em 2027 com a nova tributação mínima e a taxação sobre dividendos. Ou seja, em vez de apenas equilibrar as contas, o governo garantirá um caixa extra de pelo menos R$ 8,3 bilhões em 2026 e R$ 11,46 bilhões em 2027.
Isso significa que, enquanto a narrativa oficial fala em justiça tributária, na prática, a medida se traduz em mais dinheiro em caixa justamente no ano da eleição presidencial. Esse tipo de movimentação não é incomum em governos com forte viés arrecadatório, mas levanta suspeitas sobre se o verdadeiro objetivo da proposta é corrigir distorções ou apenas reforçar o orçamento em um momento politicamente estratégico.
Além disso, a devolução de eventuais valores pagos a mais pelos contribuintes ocorrerá apenas no ano seguinte. Ou seja, caso a Receita Federal arrecade mais do que o esperado com as novas regras, esse dinheiro ficará no caixa do governo até que seja feita a restituição — criando um efeito artificial de superávit no ano eleitoral.
Dado o histórico brasileiro, onde aumento de arrecadação dificilmente se traduz em redução do déficit ou melhora na eficiência do Estado, há razões para acreditar que essa movimentação pode ser menos sobre ajuste fiscal e mais sobre garantir recursos para ampliar gastos em 2026, consolidando apoio político e ampliando programas que favorecem a reeleição de aliados.
Essa coincidência entre a entrada de novos recursos e o calendário eleitoral reforça a necessidade de um debate mais aprofundado sobre a real motivação dessa reforma e sobre onde esse dinheiro será efetivamente aplicado. Afinal, se o governo diz estar preocupado com justiça fiscal, por que não cortar despesas e enxugar a máquina pública em vez de simplesmente arrecadar mais?
Voltando ao Projeto, a justificativa para a reforma é tornar o sistema tributário mais equilibrado. Mas, mais uma vez, ao invés de reduzir despesas, cortar privilégios e tornar o Estado mais eficiente, a solução do governo é sempre aumentar impostos.
O texto do PL não traz nenhuma previsão de corte de gastos, nem medidas para tornar o governo mais eficiente. Apenas transfere mais encargos para a iniciativa privada.
Além disso, a tramitação da proposta foi acelerada, com o governo impondo regime de urgência para votação. Se o objetivo fosse de fato o equilíbrio fiscal, por que tanta pressa em aprovar um projeto sem amplo debate?
Outro ponto preocupante é que o governo está avançando nessa nova tributação antes de regulamentar efetivamente a reforma tributária sobre o consumo (PEC 45/2019).
Isso porque as empresas ainda não sabem quais serão as alíquotas finais do novo sistema de IBS e CBS.A transição para o novo modelo ainda não foi totalmente definida. Há o risco de a carga tributária sobre consumo aumentar, especialmente para setores que perdem benefícios fiscais.
Ou seja, enquanto os empresários aguardam definições cruciais sobre o futuro da tributação no Brasil, o governo já quer garantir um novo aumento de impostos sobre renda e dividendos.
É fato que o Brasil precisa de um sistema tributário mais simples, mais previsível e que incentive o crescimento econômico, sempre defendemos isso, inclusive. No entanto, o governo insiste em manter uma estrutura inchada e burocrática, sem cortar gastos e sempre buscando aumentar a arrecadação.
A nova tributação sobre alta renda pode não gerar a arrecadação esperada, mas o que está claro é que o setor produtivo continuará pagando a conta.
E a pergunta que fica é: até quando o governo vai depender de mais impostos em vez de reformar sua própria estrutura de gastos?